Reafirmar

Eu colhi tempestades
Não por semear ventos
Mas por fazer um mal bocado
De meus poucos bons momentos
E agora eu não carrego mais pressa
De não perder meu generoso tempo
Comigo levo o amor, por quem amo
E o resto é, meu amigo, o sossego.

Líquido

Esses tempos plurais
Cobramo-nos tão pouco
Exigindo muito mais
Vemos lá fora
E a hora de ir embora
É uma promessa eterna
Há tantas estrelas sobre a lama
E nós as vemos da janela
Nossos pés livres sobre o piso frio
Não conhecem o calor da terra
O sabor do vento
Não distrai salas mortas
Já perdemos tanto tempo
E por quanto ainda iremos morrer
Fingindo gostar de ser o que tentamos
Enquanto o amor vem em doses liquidas
A verdade em doses líquidas
A beleza e a amizade em doses líquidas
E a vida chove lá fora
Enquanto empunhamos nossos guarda chuvas
Ainda aqui dentro, esperando o momento de nossa morte
A hora em que nossa sorte de ainda sermos jovens
Beije o chão

Indigo

Eu amo a chuva que precipita dos seios do céu
É calma e abala as desestruturas do caos
Quem me dera ser tão sereno quanto esse olhar índigo
Que carrego sob o castanho de minhas meninas
E quando regresso para mim mesmo
O que vejo é vertigem e aquele velho alvo
O meu fatalismo não é tão egoísta ou irresponsável
Egoísmo é essa minha vontade de amor literal
Essa necessidade de tomar as dores
De perder os controles
E salvar minhas feridas de novos amores
Minhas palavras prendem-se a garganta
Em um timbre fraco e ermitão
Depois de dar tanto pano à manga
A verdade sai nua

Mesmo sem o vento

Todo homem tem o direito de ser real e não papel
Mas o real está no papel, a gente compra a vida
Escraviza, seca e encena, em cena triste e insiste
Onde é que as folhas deste outono Não residem?
Onde a vida abriga o vento que não as carrega para lá?
Onde os alquimistas transformam tudo em ouro
Esperando o dia santo em que os anjos venham lhe contar
Que o ouro não vale mais que essas folhas
As quais jamais partiram ao seu encontro
Pois enquanto a gente fica e sonha mais um sonho perfeito
A vida segue seu rumo mesmo sem o vento