Perfeita

 

Quando te digo perfeita
Só quero dizer linda
E não perfeitamente linda
Quase nunca há beleza em coisas perfeitas
E quando há, é uma beleza importuna, sem fins lucrativos
A perfeição é muito ocupada para ser bela
Ocupa-se em manter-se perfeita
Inalcançável
E sem graça alguma

Meu tempo, eu mesmo escrevo

 

Vou escrever meu tempo
Não como um muro de lamentos
Mas como um desafio memento
À estupidez de tantos lazarentos
E vou compartilhar este evento
Vocês não calarão ninguém
Por nenhum momento
Nenhuma mulher, nenhum gay, nenhum preto…
Vou escrever meu tempo plural e liquido
Queria tratar das dores do coração
Mas tem playboy cuzão, pregando racismo invertido
Toda semana tem assassinato de índio
Todo dia preto vai preso por nada
Mais uma travesti assassinada
A cada minuto uma mulher assediada
E a mídia cobrando providencias
Porque gringos sofreram arrastão na praia
E você vai dizer que o mundo anda chato?
Pois pegue os limões que vida te deu
Enfia no cu e sente o azedo, seu cabaço
Ta achando ruim?
 Saiba que não é nem o começo
O mundo não ta ficando chato
Ta ficando é sem espaço, pro seu preconceito

Há de haver

 

Um dia desses parei frente ao espelho
E me olhei nos olhos por muito tempo
Até que me achei idiota e ri
Percebi que não conhecia a forma do meu riso
Que não havia mais as covinhas de quando eu era criança
Depois de tanto tempo vivendo como eu mesmo
Notei que já sou como outra pessoa
Eu não me adaptei a nada
Nem me tornei mais sábio
Ou forte
Não sou alguém melhor ou pior
Do que esperava ser
Eu não esperava
Senti uma enorme necessidade de apresentar-me a mim mesmo
De me conhecer melhor
Talvez até me pedir conselhos
Não é à toa, que às vezes me sinto o ser que pensa
Ou o ser que assiste ao ser que vive
Que acredita controlar a vida
Mas que na verdade só toma decisões parecidas
Quantas vezes, preocupado em contemplar o pôr do sol
E quantas vezes eu havia me posto
E renascido, sem notar meu rosto?
Quantas vezes eu poderia viver
Sem notar que estava vivo?
E que tenho tanto a arrepender
Sem ter nenhum motivo?
Eu não era meu cumplice
Estava me vendo em outros olhos
Olhos que não me dariam equilíbrio
Olhos esquecidos como os meus
Somente abrigos como os meus
Eu quero me encontrar
Como quem se perdeu
Como quem cansou
Mas não deixou de lutar
Ainda que velho
Quero caber num único verbo
Há.
 
 
 

Terrorismo poético

 

Vontade de explosão
Inalar Drumond
Pintar partituras de preto
Enforcar o refrão
Afogar enredos
Sorrir de ilusão
Com o canto da boca
O esquerdo
O escarro ou invés do beijo
Declamar Augusto dos Anjos
Em banheiros…
Públicos
Escrever notas de repudio
Ao amor difuso
Apagar as versões de estúdio
Pichar todos os muros
O crime é o muro
Fazer do incêndio
A luz no escuro
A arte é o escuro
Incitar guerras
Entre palhaços e mímicos
Ver o circo pegar fogo
E também
Ser o próprio piromaníaco

Destruímos futuros perfeitos, sonhando acordados antes de dormir

Já escrevi poemas secretos no espelho
Sobre o reflexo aberto do meu peito
Pois sempre há certos segredos
Que só um coração deve saber
De fato não me lembro
Mas suspeito de você
Que as vezes faz
Descompassar o bater
E falo novamente de amor
Sem estar apaixonado?
Ou sem saber?