Um dia desses parei frente ao espelho
E me olhei nos olhos por muito tempo
Até que me achei idiota e ri
Percebi que não conhecia a forma do meu riso
Que não havia mais as covinhas de quando eu era criança
Depois de tanto tempo vivendo como eu mesmo
Notei que já sou como outra pessoa
Eu não me adaptei a nada
Nem me tornei mais sábio
Ou forte
Não sou alguém melhor ou pior
Do que esperava ser
Eu não esperava
Senti uma enorme necessidade de apresentar-me a mim mesmo
De me conhecer melhor
Talvez até me pedir conselhos
Não é à toa, que às vezes me sinto o ser que pensa
Ou o ser que assiste ao ser que vive
Que acredita controlar a vida
Mas que na verdade só toma decisões parecidas
Quantas vezes, preocupado em contemplar o pôr do sol
E quantas vezes eu havia me posto
E renascido, sem notar meu rosto?
Quantas vezes eu poderia viver
Sem notar que estava vivo?
E que tenho tanto a arrepender
Sem ter nenhum motivo?
Eu não era meu cumplice
Estava me vendo em outros olhos
Olhos que não me dariam equilíbrio
Olhos esquecidos como os meus
Somente abrigos como os meus
Eu quero me encontrar
Como quem se perdeu
Como quem cansou
Mas não deixou de lutar
Ainda que velho
Quero caber num único verbo
Há.